sábado, 31 de maio de 2008

A GAROTA MAIS BONITA DA CIDADE



Meus cabelos eram meu grande problema, queria mudar tudo neles. Eram excessivamente crespos, cheios, escuros e fora de moda. Diferentes dos da minha irmã, ruivos, lisos e compridos.
Não tinha coragem de fazer qualquer coisa para mudá-los, achava-me feia e acreditava que só iria piorar. Mas, numa noite de verão e insônia, tudo mudou.
Estava no Internato, colégio militar feminino. Era um internato para filhas de militares. Eu e minha irmã fomos estudar lá, logo depois do falecimento de papai. Entrávamos na segunda-feira e saíamos na sexta. Gostava do colégio.
Ser interna faz com que se valorize mais a vida, as pessoas e a família. Aquele internato fez muito bem pra mim e certamente, para todas as meninas que passaram por lá.
Aquela noite não era uma noite qualquer, era lua cheia; deixei a janela do quarto aberta para que o vento pudesse entrar. Fiquei deitada ao contrário, na cama, só para olhar a lua pela janela. Fiquei olhando-a, surpreendendo-me com sua intensa claridade. Podia-se ver todo o contorno do seu cavaleiro lutando com o dragão.
Pensando minha existência, fiquei ali, olhando a lua. Eu estava muito insatisfeita comigo mesma. Achava-me uma garota sem graça, sem atrativos. Passei a imaginar o que eu poderia fazer da minha vida pra sair daquela mesmice. Arrumar um namorado, de repente; mudar meu visual, talvez.
Com o passar das horas, a lua cheia e atrevida entrou pela janela prateando minha cama, meu corpo. Era tão intensa sua luz, que minha camisola perdera sua brancura e irradiava um dolorido azul. Minha pele parecia acesa, acesa de uma luz fria. Meus cabelos, desalinhados sobre meu rosto, pareciam cachos de uvas esculpidos em mármore.
Fui tomada de um êxtase incontrolável.
Aquela luz não era normal. Fiquei ali, inerte, a imaginar que estava passando por um ritual de iniciação. Aí eu fiz um juramento, juramento de passagem. A menina feia não mais existiria. A menina feia jurara tornar-se a garota mais bonita da cidade.
Minha irmã mexeu-se na cama ao lado. Puxei o lençol pra cobrir-me e fingi dormir. Quando a lua se foi e o céu banhava-se de violeta, adormeci, me sentido maravilhosa.
Eu, somente eu, fora beijada pelo “Cavaleiro da Lua”.
Na sexta, fui pra casa, determinada a colocar minha decisão em andamento.
“Mãe pode me arrumar um dinheiro para eu ir ao cabeleireiro?"
É claro que minha mãe olhou-me com cara de quem duvida do que está ouvindo, e isso confirmou com o seu: "Hein...!?"
Repeti o pedido e ela, enfiando a mão no avental, deu-me o dinheiro, ainda sem entender o que eu iria fazer naquela manhã com os meus cabelos. Nunca os soltava, viviam sempre presos num rabo-de-cavalo.
Fui correndo para o salão de cabeleireiro e pedi que cortasse iguais aos da Sofia Loren, em "Girassóis da Rússia". A cabeleireira recomendou-me um relaxamento para que os cachos ficassem soltos. Fez depois uma leve escova e a ainda afinou as minhas sobrancelhas, “pra combinar", disse-me. Quando ela terminou, me surpreendi com o meu novo visual.
Olhei-me no espelho, meu nariz afilado e meu rosto anguloso sobressaíam mais, e os cachos deixados em torno do meu rosto, com fios mais compridos na nuca, deixaram-me com a cara da Sofia Loren. Minha boca parecia ainda maior. Meus olhos ganharam destaque. Olhando nos meus olhos, que também olhava para mim, pensei:
"Até que enfim garota bonita você resolveu aparecer!"
No baile de sábado à noite, confirmou-se a minha suspeita. Todos os garotos queriam dançar comigo, eu estava linda no meu vestido vermelho.
Quando começou a tocar “Je T'aime Moi non plus”, o Gabriel, afilhado do prefeito, em férias na cidade, tirou-me pra dançar e, cantarolando a música em meu ouvido, sussurrou:
"Você é a garota mais bonita da cidade".


“A Garota mais Bonita da Cidade” – in Urbs de Papel (no prelo)

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