sábado, 31 de maio de 2008
UM CORPO QUE CAI
O cenário cotidiano, que conhecia tão bem, estava diferente. Descendo a rua, o carro espantado encontra estátuas humanas que olham numa única objetiva, mirando aquele corpo inerte, espetado nas suas carnes cheias de banha.
Cabeça pendente, narinas abertas ansiando um ar que não mais existe. Animal imenso, gordo. Suor recente escorre de suas axilas. Cabelos sem brilho, desbotados, sugerem uma cor. As lanças das grades protetoras, nas quais se projetara, dilaceram sua carne, sangram suas entranhas.
Cena grotesca, bizarra: um corpo espetado numa grade urbana tinge de vermelho o asfalto.
Petrificada observo. Curiosos acotovelam-se em busca de um porquê. Bombeiros, numa falsa frieza, esticam o cordão de isolamento. “A mulher, parece, ainda respira! “ No prédio classe média endividada, mãos à boca calam um possível espanto. A mãe, aos 80 anos, do umbral, ensaia seu depoimento para a polícia, enquanto olha no reflexo da janela, ajeitando fios de cabelo que teimam em sair do coque.“Logo, logo, chegarão os repórteres”. O jardim, recém molhado pela pobre mulher, desbota o seu verde num ato de solidariedade. O sol do meio-dia é encoberto por nuvens. “Vai chover”. A filha pálida na calçada, fichário aos pés, grito mudo explodindo o peito, murmura perdão.
Para o noticiário da noite é irrelevante. No dia seguinte, pequena nota com foto das grades assassinas. O porquê ninguém sabe. Todos sabem. Todos calam. Ninguém se importa.
Corpo de mulher que por rejeitar-se, lançou-se no ar em busca do fim.
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Um comentário:
Nádia, seu blog está lindo! Parabéns!!!
beijos
Denise
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